segunda-feira, maio 22, 2006

Ouvi um cuco

Ouvi um cuco insistente
Chamar a montanha à razão
Porque inclina as costas doridas
Porque o negro fogo a cansa

São fantasmas e esqueletos
Furam o horizonte, afiados
Apontam ao sol, queimados
Como se a vida ali parasse

E as pedras, eternas, roladas
Polvilhadas pela encosta
Espalhadas como migalhas
Como estrelas que o céu largou

Ouvi um cuco
Mas as asas não abriram

Gonçalo Taipa Teixeira
28 de Abril de 2006

segunda-feira, maio 15, 2006

“As I sat sadly by her side”

Enquanto eu me sentava a seu lado
À janela, através do vidro.
Ela afagava um gatinho no colo
Nós observávamos o mundo enquanto caía.
Calmamente, falou comigo
E, com olhos novos, bem abertos,
Aproximamos a cara do vidro;
Enquanto eu me sentava a seu lado.

Ela disse: “pai, mãe, irmã, irmão,
Tio, tia, sobrinho, sobrinha,
Soldado, marinheiro, médico, operário,
Actor, cientista, mecânico, padre.
Terra e Lua e Sol e estrelas
Planetas e cometas de caudas brilhantes,
Todos lá caem eternamente,
Caem lindos e fantásticos”

Então sorriu e virou-se para mim,
Esperando que respondesse.
O seu cabelo escorria-lhe pelos ombros
Enquanto eu me sentava a seu lado.

Enquanto me sentava a seu lado
Passou, gentilmente, o gato
A mim e de novo aproximamos
As nossas caras diferentes do vidro:
“Pode ser verdade”, disse eu,
“Mas repara no que cai na rua.
Olha-o gesticulando aos seus vizinhos
Olha-o pisado pelos pés deles.
Toda a acção exterior leva a nada,
Pois cada um se preocupa com as suas necessidades.
Vê o homem que esbraceja na sarjeta,
Vê o outro que tropeça em quem não vê.”

De mão trémula, virei-me para ela
E tirei-lhe o cabelo dos olhos.
O gato saltou de volta para o colo dela,
Enquanto eu me sentava a seu lado.

Ela fechou as cortinas, então,
E disse:”Quando é que aprendes
Que o que acontece para lá do vidro
Não é, simplesmente, da tua conta?
Deus deu-te um único coração.
Tu não és casa dos corações dos teus irmãos.
Deus não se interessa mais pela tua benevolência
Do que pela falta dela nos outros.
Nem se interessa que te sentes
À janela, julgando o mundo
Que Ele criou,
Enquanto as tristezas se amontoam à tua volta,
Feias, desnecessárias e inchadas.”

Assim desviou a cara de mim.
Grossas lágrimas jorravam dos seus olhos.
Eu não consegui apagar o sorriso,
Enquanto me sentava a seu lado.

Tentativa de tradução por Gonçalo Taipa Teixeira, no dia 1 de Julho de 2003. Texto de Nick Cave And The Bad Seeds – No More Shall We Part 2001 Mute Records Limited

quarta-feira, maio 03, 2006

Lua sem luz

Finjo importar-me com o que penso
Como uma torneira fechada que goteja,
Água morna que não ferve nem gela.
O que penso não faz sentido...
Nada faz, se procurarmos razões.
Um caminho leva a outro, e a outro,
Seja terrestre, marítimo, aéreo... a outro.

Talvez seja a negra língua que piso
O caminho sem cruzamentos, sem desvios.
Talvez o rio desagúe numa Lua sem luz
E me apague as dúvidas, sem caminhos,
Sem direcção, sem sentido, sem volante.
São estes os sorrisos que vos dispenso
Quando o caminho me enche as lágrimas.

Gonçalo Taipa Teixeira
8 de Julho de 2001